sexta-feira, 30 de agosto de 2013

FUMEGAÇÕES AGOSTINAS




Abaixo do que é a superfície de mim, sinto algo fumegando... Galeno poderia dizer que é esquizofrenia; porque não? Afinal, alguém já disse que Haloperidol deixa a alma dormente. (a fumegação, é então, um revertério?). De qualquer modo, escrever transforma o que é invisível em palavra. Quando é possível gotejar com encantamento essa palavra; ela então se desdobra e pode contaminar. Feito aroma que entra pelas narinas, passa pelo coração e segue ao cérebro. Ou seria o contrário? Seja como for, as palavras podem ter cheiro. Cheiro de jasmim, por exemplo. Quando as palavras tem cheiro de jasmim, sorvê-las é como participar de uma dança. Uma coreografia se forma no espaço e quando se abre ou fecha os olhos, se vê flor. Me pergunto se isso é igual ao inverso dessa equação: por exemplo, quando eu vejo flores em alguém e então sinto cheiro de jasmim. O que fumega quando a alma está desperta? O quê?

segunda-feira, 26 de agosto de 2013





Não importa se é pelo direito ou avesso
que se vai usar a velha calça jeans:
No caminho,
a alma aproveita da trilha para ser matéria.

terça-feira, 20 de agosto de 2013

COISAS VERMELHAS


Quero falar de coisas vermelhas para, juntos, imaginarmos sem moderação. Se a imaginação é um ato vermelho, significações e simbologias, quando vermelhas, não ficam omitidas. A fraternidade é vermelha, a paixão (inclusive quando não correspondida) é vermelha. A boca e a língua depois de comer cerejas, também. Ficam ainda mais vermelhas. Campari, quando cai na roupa. As gotas que escorrem num pacto de sangue. A árvore, quando você corta seu tronco, escorre um líquido que é vermelho. Arnaldo Antunes diz em uma canção, lindamente, que o corpo, se cortado, espirra um líquido vermelho. O sinal de PARE. Vermelho. A flor detrás da orelha da espanhola que dança. O sorriso dela é vermelho. O tango também é. Ela e ele: puro vermelho, puro sangue. Luiz Melodia canta vermelho. O corte na pele e o calor das mãos quando se tocam é vermelho. As flores, um dia, em uma camisa. O “não” que se interpõe feito bala em uma via só de sim. Coisa muito vermelha. Certas músicas ou um poema que alguém diz para você, ou mesmo a tinta com que se escreve certos poemas. Tinta de vida e morte. A cor que eu não disse quando perguntaram qual era minha cor predileta. O som de uma voz. O miolo do abacate lá dentro. Morango. As hemácias, a primeira cor do arco íris, a roupa do papai Noel.  Tudo vermelho. A frase que eu não disse. A que ele pensou e também não disse. O que se disse. O pen drive que meu pai um dia me deu. Visita sem avisar. Susto. Tapa na cara. Boca depois do beijo. Olho depois do beijo. Vermelho. O texto que estava pronto e eu deletei sem querer e de modo definitivo é vermelho. As lágrimas que se derramam e também as que se contêm. Copiosamente vermelhas. O primeiro gesto de ousadia de alguém. Pimentas dentro de um vidro. Fome, angústia e a vontade. Driblar a vontade também é vermelho. Uma nota zero. O fogo que por vezes reverbera dentro dos olhos. Uma noite inteira em claro é vermelha. Acordar no meio dela também. Bater nua, na porta de alguém, às 3 da manhã. Absolutamente vermelho. Peixe na brasa numa praia deserta, alecrim por cima. O peixe é o Vermelho. O peixe Vermelho é vermelho. Comer peixe numa praia deserta também. A cor que não coloquei na tatuagem e o que escorreu dela enquanto o bisturi tocava a pele. Vermelho. Coisas que escolhemos não viver podem ou não ser vermelhas. O coração pulsando na mão do cirurgião é vermelho. O tapete que a gente estende quando se apaixona. O motim que pode haver numa troca de olhar ou a marca de uma mordida são coisas deliciosamente vermelhas. Dolorosamente vermelhas? Também pode ser. Segundo a teoria dos tipos, o conjunto das coisas vermelhas é uma coisa vermelha. As coisas enquanto queimam na fogueira são vermelhas. O desejo, e o molho ao sugo do macarrão. O ódio. Um telefonema no meio da madrugada. Vermelho. O que se faz pensando em alguém, e que transparece expondo vértebras e medo. O medo é vermelho. Já o medo do medo e o sorriso amarelo; estes não cabem aqui.

sábado, 17 de agosto de 2013

O FOTÓGRAFO


Eu fotografo ideias e projetos para ver as estórias. Para capturar e interpretar o momento. É então que a imagem é bandeira que defendo; argumento que apresento. Se a vida é um evento, eu fotografo para conservar. Para guardar.  Feito poema onde guardo o que é primeiro plano e também o plano de fundo. Desarticulo para ver mais a gravidade da cena. E de novo interpreto. No fundo, sou contador de estórias. Sou contador e fotografo para guardar. Ontem, por exemplo, a vazante de águas raras e claras eram como janelas no manguezal; e eu interpretei a dinâmica da seca e da cheia naquele poema. Feito mata ciliar, o que distancia e protege também põe em contato; provoca o conflito e o argumento; e então sou escrevinhador e espécie entre as espécies que fotografo.

sexta-feira, 9 de agosto de 2013

DESAMBIGUAR




Eu gosto de misturar palavras. Fazer frases com elas e depois misturar estas frases: afirmativas, negativas, exclamativas! Adoro lançar perguntas e criar enigmas. Acho que isso é uma forma de ser perversa. De fazer sacanagem com as palavras. Isso sem contar o que faço depois: lavo, torço, encero, faço bola de meia e às vezes, chuto para pensar em outras palavras. Me sinto volúvel nessas ocasiões. Por vezes também sou sucateira: eu reivento. Coloco de molho no amaciante. Eu nino algumas palavras e deve ser por isso que um amigo me disse que elas ganham magia. Seja como for, depois disso tudo eu levo palavras e frases para roda de samba e faço batucada com elas. Elas dançam nas misturas que faço e vão criando ideias novas, ideias subversivas, ideias que me deixam arrepiada. Então eu corro para o espelho e as proclamo em voz alta. Se fazem sentido para mim ao escutar, elas sobrevivem. É sinal que envelheceram no carvalho, criaram vincos, sulcos e adjacências; caso contrário eu as demito absolutamente. Eu deleto. Deletar é um verbo que extermina ações passadas, boas ou más. Por isso o verbo deletar pode parecer deletério. Mas talvez não. Se sou ou não cigana, a mudança mora em mim. O transitório mora em mim. E é por isso que não quero nem anel de diamante, nem nada: eu quero a dança do uirapuru. Um pássaro com plumagem em tons de terracota que vive em florestas úmidas. O som de seu canto enquanto constroi o ninho para atrair uma fêmea, parece com flauta ou violino (depende de quem ouve), e dizem, pasmem, que levar consigo o uirapuru empalhado traz sorte na vida e no amor, e que por isso o mesmo se encontra ameaçado de extinção. Se faz de um tudo por amor... É nesse embalo musical e dançante de seu bater de asas que o pássaro conquista suas parceiras e transforma a floresta em cena de romance. Isso tudo é DNA perfeitamente  compatível comigo. O desassossego e a inconstância me fazem múltipla e mesmo que minha preguiça continue praticamente inviolável, pelo que pode haver de permeabilidade nela, eu acato o que avassala, o que está inacabado e pede exploração. O amor que sinto, por erro ou ambiguidade, tem diferentes significados. Por ser assim, de certo modo, homônimo, apresenta aspectos muito distintos de serem explorados. Eu quis explorar isso. Explorá-lo. Segundo o dicionário eu quis “Desambiguar”; que significa que se uma parte dele é muito mais conhecida ou muito mais importante que outra ou que a soma de outras partes, tem de haver um caminho específico para esse entendimento. Eu resolvi fazer essa desambiguação com o amor que sinto. Estou pesquisando, mas nada de conclusivo. Está ótimo. Como diz Lenine: “eu gosto é do inacabado, do imperfeito...”. Eu gosto é do processo. E como já se disse uma vez, das rugas, meu amor, das rugas.

sexta-feira, 2 de agosto de 2013

MATÉRIA SEM CULPA



Capto a vida através de instrumentos. Mergulho em diferentes águas e pinço toda sorte de objetos: flutuantes, evanescentes, com mais ou menos contraste entre eles e a água. O critério segue o visgo dentro do olhar. Só o visgo. Ainda assim são objetos fugidios e, através deles, palmilho e desvendo. Depois percorro a orla com os pés descalços. Orla e órbita. Tropeçando em pequenos crustáceos, eu desvelo. Sangro no perímetro das coisas que tem textura, aroma e intensidades. Desenho nós dois sentados na areia. Sentados na beira em volta do buraco. Em volta da beira e da probabilidade. Da possibilidade. Às vezes é como gravidade: Não dá para negociar. Fóssil sem corpo. Afinal, quem dorme com cães, não necessariamente vai acordar com pulgas. Além disso, diante da tv, vejo tudo que pode haver de submerso em Moçambique, e que apenas três moças, antes dos 30 anos, podem desvendar e desvelar em rede para o mundo. Assim eu descubro o que pode haver no fundo só com o visgo do olhar. Sem sair do sofá vou explorando a densidade da água, escuto jubartes cantando e procurando o calor em águas africanas, fico sob o pôr de sol alaranjado capturado por alguém. Faço parte da cena. Do ocaso. Se não é verdade, a ideia serve de cola para que eu possa parar de pé. No mais, às vezes, tudo que se precisa é mudar de lugar. Uma palavra que salte também dá jeito. Palavra vôo, por exemplo, palavra verbo e conjugada no imperativo do desejo para descansar do conforto de outras: palavra rede, palavra almofada, palavra colchão. Eu voo. Qualquer coisa no baixo abdômen faz pressão. O desejo exerce pressão: até a palavra exerce. Uma palavra estranha - um x com som de z - que se tem que engolir como regra. Pressão também diz respeito à minas. Detonam. Tudo vai pelos ares. Roupas dentro do armário, pedaços de papel e tampas de bueiro. Pressão expulsa. Manda para o espaço o que estava encalacrado. No mais, não se tocam as efemeridades. Não se seguram os vendavais. E, felicidade não precisa de culpa. Ao fim e ao cabo, diz Tom Zé: mando a consciência junto com os lençóis para a lavanderia. 

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SOBRE QUESTÕES RESPIRATÓRIAS E AMORES INVENTADOS

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