quinta-feira, 28 de outubro de 2010

AMIZADE


Quando minha cachorrinha me leva para passear, eu vou. Às vezes sou eu quem pega a coleira e acena para ela a possibilidade. Mas normalmente é ela quem começa a sassaricar e fazer barulhinhos. Estaca diante da porta e fica esperando que eu me movimente. Se eu não vejo, ela me chama, corre para a porta, estaca lá de novo. Então eu vou. Pego dois sacos de lixo e coloco na bolsinha que uso para passear com ela. Um kit de passeio que ela já conhece, pois se pego a bolsinha ou sacola de lixo ela já fica toda serelepe! Aliás, dia desses alguém me parou na rua para dizer: Se todos fizessem como você e carregassem um saquinho quando saem com seus cachorros... Pois é, leitor. Pois é. Não esqueçam os saquinhos!!!! (E quiçá apareçam brevemente saquinhos biodegradáveis!). Depois desses passos básicos coloco a coleirinha nela, mas é ela quem me leva. Sempre opta por descer e subir pela escada. Sinto que não gosta de elevador. Eu também não. Descemos e já conheço seus movimentos. A porta por onde prefere sair, o local onde espera para que eu abra o portão e o pulinho certeiro que ela dá para a calçada. Aí começa o desbravar dos matinhos e canteiros. Não passa ileso um metro quadrado que ela não perscrute. E assim vamos. Algumas vezes ela me faz caminhar mais rápido: parece afoita no seu descortinar. Em outras, caminha tão serena que sou eu a sentir o passo de maneira diversa, a descobrir coisas que ainda não havia visto. Lembro quando pensei que poderia ser enfadonho “ter” que sair com ela sem estar com vontade.... Qual o quê! Meu esmorecer mais arraigado vira pó diante dos apelos dela e tudo que quero é atendê-la. E vou. Já aí estou passeando. Já aí estou totalmente “na dela” e curtindo cada detalhe do passeio. Na escada, ela desce uma sequência de degraus e me olha. São cinco olhadelas que me encantam! Quando pula na calçada olha de novo. Esquerda ou direita? Deixo para ela a decisão já que estou sendo levada. Ela vai me guiando e eu vou descortinando. Nos último mês passou por uma cirurgia (nunca mais mãezinha). Mudei a rotina então. Descemos e subimos de elevador e sua caminhada e gestos foram diversos. Ela não entendia, mas se sabia diferente. Me sabia cheia de cuidados. Andamos um trecho curto e ela parou. Não dava para prosseguir. Aguardei um pouco e tentei voltar. Nada. Foi com cumplicidade sem igual que ela, normalmente um pouco arisca a colos, aceitou o meu e se deixou levar de volta para casa. Dois dias de molho. Sem passeio para nós até que a rotina fosse lentamente retornando. Uma apelando para a vontade da outra. Final de semana passado ela já corria desatinada pelo quintal da praia. Passou. Sentada em sua almofada ela agora me olha. Meu marido diz que não entende o olhar prolongado que ela me dá. Pensa no que ela quer dizer. Eu nem sei. Mas sempre acho que seus olhares pedem passeio, comida e água. As alegrias da sua vidinha cã. Mas sabe lá o que pensa um cachorro? Bem, se eu for por aí vou dar nó nos “nervos”, pois sabe lá o que é pensar! Pelo critério de pensamento como capacidade de conceituar e abstrair o mundo que nos rodeia, fazendo uso da linguagem, só o homem é capaz de pensar. Mas se a gente enveredar pelos caminhos da linguagem... os tipos de linguagem... sabe lá. De fato, a gente sabe que o cão tem sido o melhor amigo do homem já há muito tempo. E a amizade, bem, esta a gente sabe que se constrói sobre a base de compreensão mútua e companheirismo. Condicionamento? Pode ser. Mas se formos por aí, seres humanos também podem ser condicionados.... Afinal, tem gente que só na hora da foto escancara um sorriso. Quem sabe atrás do clique tem alguém mostrando um ossinho....

quinta-feira, 21 de outubro de 2010

CANTANDO NA CHUVA


Ele deve ter entre 9 e 10 anos. Do alto de seu, talvez, um metro e quarenta, carrega uma pequena mochila no ombro esquerdo e na mão direita um guarda-chuva. Passeia e faz malabarismos com o objeto. Brinca com o chuvisco e o corpo. Roda o guarda-chuva entre os dedos. Sobe e desce o objeto, que como o meu, é transparente. Olha a água que cai fininha. Inclina pra lá e pra cá. E de novo sobe e desce, rodopia entre os dedos, e dá um passinho pra trás. O menino brinca com a chuva! Eu, que dentro do carro vou chegando perto e vendo melhor a cena, avisto é Gene Kelly cantando. Porque como no filme, a expressão de felicidade e a naturalidade com que ele parece flutuar pela rua são iguais à do ator em “Dançando na Chuva”. Sigo escutando a trilha em minha mente, lembrando os movimentos, os pés nas poças d’água e o guarda-chuva bailando sob as goteiras das casas. É tão boa a brincadeira do menino que minha boca cantarola: I’m singing in the rain... É apenas a manhã de um dia que começou antes das 6 para mim, ainda escuro e chovendo bem mais. Agora já uma ideia de sol quer vingar sobre o chão ainda umedecido pelo chuvisco. Quer vencer o intermitente dele que cai fininho e vai espalhando pelo ar um cheiro doce de melancia. Um cheiro vermelho. E embora haja tanto ainda por fazer, isso tudo insiste em se sobrepor. Confesso que não é difícil deixar-me arrebatar por essas pequenas coisas. Acho até que algo em mim as procura. Algo em mim quer, permanentemente, se deixar arrebatar. E então essas coisas pequenas da vida, essas pequenas “grandes coisas”, me surgem. É claro que, na verdade, estão sempre ali, sempre por aí. Mas às vezes, mesmo não sendo difícil, eu não vejo...tão absorta que estou... então, quando volto a ver, me encanto. A vida é cada segundo, leitor. Cada fração. Uma somatória de fagulhas. Acho que o menino sabe disso. Melhor que isso: nem sabe. Apenas vivencia. Carpe diem! Talvez porque seja início de primavera, porque o verão está mais próximo hoje do que ontem. Porque o sol tenta rasgar o branco. Não importa. Importa o verão dentro dele e dentro de mim olhando para ele. Há pouco era Gene Kelly no ar e já será George Harrison, com sua “Here Comes The Sun”. A minha música e a do menino. Quem sabe também a sua “Here comes the sun, here comes the sun, Little darling, it's been a long cold lonely winter. Little darling, the smiles returning to the faces. Here comes the sun, here comes the sun and I say it's all right”. “Aqui vem o sol”, Joinville! Tudo prediz. Porque a vida é sim, uma aventura. “I’m singing in the rain”! “Here Comes the Sun”! Bom dia, leitor! E a vida continua avançando. Pouco antes da dança do menino me arrebatar, vi uma porção de árvores de natal numa vitrine!!!! Tudo isso, porque ainda é outubro.

quinta-feira, 14 de outubro de 2010

DA UTILIDADE DAS COISAS


A utilidade de uma coisa é algo a ser desvendado com humor e imaginação. Aliás, desvendar o mistério das coisas é tarefa de muita utilidade e que muito me encanta. Quando coloco minhas perninhas para caminhar por aí, vou deitando os olhos em tudo que é coisa exposta e que arrebata minha atenção. De meiazinhas para guardar celular a cabo de panela. Falando nisso, dia desses deitei os olhos numa referência a um texto de Humberto de Almeida, que discorre sobre a utilidade do cabo em sua dupla função: de empunhadura e/ou apoio para o manejo dos mais diversos utensílios e ferramentas. Da panela à enxada. Pense nisso, leitor! E lá vai o estudioso para os subterrâneos da coisa: o cabo e sua influência sobre a história e o comportamento dos homens. O próprio autor, Marcelo Sguassábia, que faz referência ao texto do cabo, já sugere novas coisas para se pensar nessa linha e que podem, quiçá, se prestar a futuras dissertações e estudos de maior envergadura. Cita as alças:

- Alça de sacola de feira, com peculiaridades ergonômicas e relevância como agente alavancador, especialmente da economia informal, alça de trem de metrô e seu papel gregário no contexto do transporte coletivo, dado que cada alça é dividida por duas, três ou até mais mãos que nela se apóiam ou seguram nos horários de pico; alça de sutiã e de vestido, entendidas não apenas como elementos de sustentação, mas também como fetiches a povoar o imaginário masculino, alça de caixão, alça de mira e até a expressão “mala sem alça”, que ele diz ser cunhada originalmente no Reino Unido (olha só!); o verbo “alçar”, de onde deriva a expressão alçar vôo, decolar por si mesmo, “por propulsão própria”e até a enigmática e quase hieroglífica definição do Dicionário Houaiss para “alça” como termo de marinha: “estropo adaptado à goivadura da caixa de moitões, cadernais ou sapatas”. Quem puder que lance luz! É engraçado pensar, repetindo o autor, em arregaçar as mangas e se debruçar com o devido afinco sobre tema tão rico e pouco investigado. Eu, por mim, agradeço a possibilidade de poder ter uma alça à mão caso eu precise me segurar. Peço que eu possa alcançá-las do alto de meu metro e cinqüenta e seis. Acho louvável meus pais terem instalado duas delas dentro do box para banho e muito gosto das que seguram as bolsas e bolsas que eu adoro trocar. Gosto, sobretudo, das invisíveis, daquelas que me alçam para longe quando eu quero voar. Alças, de algum modo, nos dão asas. Sem misturas e sem efeitos colaterais. Basta imaginar.

quinta-feira, 7 de outubro de 2010

VIVA A INSTABILIDADE DO ENVELHECER




Somos organismos vivos, certo? Alto grau de flexibilidade e plasticidade para tantas transformações que passamos no decorrer da vida. Tudo bem: somos guiados por alguns padrões, de certo modo, cíclicos, que se auto-regulam, auto-organizam e tudo mais. Mas não somos máquinas! Ao menos enquanto pudermos inventar e ir rompendo com antigos padrões. Enquanto existir criatividade, haverá transpasse de limites em direção ao novo. Se assim é, temos a possibilidade de escrever dia a dia a nossa história com a única certeza de que é possível transformar. Estabilidade e garantias? Não, não, leitor amigo. Isso não há. Podemos saber que a cada movimento nosso, um outro é produzido. E assim temos um fluxo entre pólos: expansão e contração, contato e retração, côncavo e convexo e outros tantos. Cumpre dizer que a vida ocorre através das experiências que atingem o corpo. Atingem e atravessam. Mas que tudo começa quando se respira e sente. Quando se está conectado com as circunstâncias que rodeiam o sentir. Quando se está conectado com o desejo. Eu penso na vida que passa nesse caminho de invenções e sou projetada para algum momento onde o desejo não mais nos pertence. Quando vamos ficando velhos, talvez? Será? Quando numa sociedade determina-se que o tempo do velho é o passado e as circunstâncias começam a resvalar a ideia de que cessem os movimentos, a autonomia, a decisão de ir pra lá ou pra cá, isso pode acontecer. Se comprarmos essa ideia aí vira verdade mesmo! E se não há desejo, não há movimento. E dá um medo danado a perspectiva dessa espécie de involução. Desse “deixar de pertencer”. Dá medo a ideia de ir jogando coisas para escanteio, minando os sentidos que podem nos impulsionar para novas invenções. Para continuar inventando. O que pode decorrer desse movimento transverso senão o hábito de despertencer? Despertencimento esse, que gera isolamento, gera angústia, gera depressão. Talvez eu tenha pensado nessas coisas porque acabo de ver uma senhorinha no centro que muito me chamou a atenção. Talvez pelas recentes comemorações do dia do idoso. Talvez porque bem do nosso lado, a gente veja muitas situações que nos põe a pensar. Não importa. Importa a atenção para não cair no isolamento. Importa também investir no corpo que é porta para o sentir. Abrir os pulmões e sentir. Com mais ou menos ar. Mais ou menos dor. Então, abra sua janela. Coloque uma música para tocar e cante arrancando seu corpo da inércia. Dance! A vida está bem aí, ao alcance das mãos. Vai incomodar algumas pessoas que pensam os velhos como peças de antiquário. Sentadinhos numa cadeira de balanço e silenciosos como num quadro. Colocariam moldura se possível fosse. Mas esqueça disso. Saia do quadro. De preferência, cantando. Pinte o mundo “jovem” com tudo que trilhou no seu caminho e que, fosse luz, iluminaria cidades inteiras.

sexta-feira, 1 de outubro de 2010

PARA SENTIR OS SABORES


Olá leitor! Esses dias lembrei quando nossos sentidos eram cinco: Olfato, Paladar, Visão, Audição e Tato. Hoje já se fala em alguns outros... Pressão, Dor, Temperatura... Segundo a neurocientista Suzana Herculano, haveria mais dois. Ela diz que enquanto os cinco sentidos básicos se ocupam do que vem de fora, os outros dois cuidam do que vem de dentro. Um deles é o movimento e o outro o equilíbrio. Faz muito sentido, inclusive porque, sem esses dois últimos fica até um pouco difícil usar os outros. Enfim, é através desse conjunto que se pode falar um pouco da viagem pelo mundo do sabor, onde os sentidos atuam em conjunto: tem a visão, gatilho que dispara a idéia de sabor, o paladar, que através da generosidade anatômica da boca, capta as partículas de sabor enquanto mastigamos; e o olfato, que junto com a gustação, é talhado perfeitamente para captar as moléculas de cheiro que estão no ar. Depois tem a viagem das informações captadas pelos órgãos dos sentidos até o cérebro. Uma viagem através dos disparos de potenciais de ação pelos neurônios, sinapses, nervos e instâncias cerebrais onde tudo chega no final desse caminho. Mas o que é de fato encantador nessa complexa dinâmica é tudo que se pode desvendar a partir desse conhecimento. A questão da construção das imagens mentais e dos afetos envolvidos. Pensar que quando se aprende algo, a diferenciar sabores, por exemplo, criam-se no cérebro redes neuronais que podem ser reforçadas com a repetição dessa informação ou experiência; e que quando se vivencia uma experiência diferente, mas relacionada à experiência original, automaticamente o cérebro está apto para reescrever o arquivo considerando a nova informação. E assim nossa memória vai se ampliando e se modificando. E as emoções vão carregando todo esse processo com cor; de modo que quanto maior a carga de emoções associadas, maior e melhor será o envio e o armazenamento das informações. Isso faz pensar na importância dos estímulos para nossa vida. Para a criança que está iniciando a descoberta dos alimentos e coisas tantas até bem mais lá na frente – quando, por uma série de fatores, como envelhecimento, uso de medicamentos, doenças e até o afastamento do convívio social, vamos “fechando” mais para a vida e para tudo que os sentidos estimulados podem propiciar. O que é uma grande pena. Conhecer essa capacidade do estímulo e seus resultados na maneira como olhamos o mundo pode mudar tudo. É o que já se disse: não podemos viver sem o sentir porque “somos a partir de nossos sentidos”. Estar aberto para essa possibilidade é estar aberto para o enfrentamento da vida. É viver. Mas às vezes descuidamos disso. Esquecemos até. Vamos vivendo homens-máquinas com mensagens entrando e saindo sem que a gente se perceba, sem que a gente possa interagir com toda nossa estrutura. E diante de tantas instabilidades, funcionamos mal por não estarmos conectados com nossos sentidos. Quis lembrar isso, de que vivemos pelo conhecer e de que o conhecer surge do sentir – disso que nos atravessa através das experiências que atingem o corpo e depois transformamos em “sentir”, e a partir daí em “ser”.

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