quinta-feira, 19 de agosto de 2010

FEROMÔNIOS?


Ela caminha pela calçada. Olha. Acelera o passo. Desacelera. Sente o sol e sorve cada verde que chama sua atenção. Ora se deixa levar por impulsos, ora pisa com cuidado e vai sentindo o caminho. Os vieses do caminho. Pressente sustos. Quase corre. Por vezes parece que esquece. Sabe lá o quê. Espreguiça e outra vez recebe o sol. O quente do sol. Vai respirando de novo os verdes. O tipo deles. E também as flores. O aroma delas. Deve enxergar por dentro do que chega até as pequenas narinas. Até o DNA. Cumprimenta amigas na passada. Também seus desafetos. Dá atenção. Desdá. Perde-se outra vez. Vai, volta, para e vai de novo. A mesma determinação para um lado e seu contrário. Saberá aonde vai? Importa isso? Importa é que vai. É então que vê o amor. Se ajeita, se apruma no passo. Olha o amor estampado nos olhos. No porte. Na imagem do “pirata”. Na brisa que traz o cheiro dele pra ela. Ela respira o cheiro. Desapruma. Parece toda na fresta. É tudo isso ou sei lá o quê que a faz atravessar a rua e ir até ele. Ele que só olha. Estacado olha. Olha e espera. Parece sentir amor igual ao dela. Do mesmo tamanho. E como parece grande o amor que estampam nos olhos. No brilho deles. Quando ela chega, ele colore. É pavão multicor que desalinha em danças. Faz de um tudo para chamar sua atenção. Cairia nos seus braços se pudesse. De súbito chega bem perto. De susto ela recua. Volta. Vira. Quiçá ele a pegasse de súbito. Se querem e se assustam um com o outro. É controverso o amor. Agora é ela quem se aproxima. Ele apruma. Prepara o desejo desarrumado. Avança sôfrego e de novo para. Ela estaca. Ele esbarra no alambrado que impede. Quase uiva. Ela quase uiva. Quase chora. Olha pra mim. Raspa e raspa a grama sob seus pés. E de novo. Lascas de grama espirram no branco do outro pêlo. Agora é ele quem raspa. Raspa e raspa a grama sob seus pés. Os dois pisam na mesma grama separados pelo alambrado. Tentam fazer que espirre o cheiro de um no outro, que cole, agregue. Que desconstrua o que impede. Que possa amalgamar. Eu olho os olhos dos dois. Enterneço. Até em mim a grama espirra e me coloca no confuso do estado. Bem no meio desse amor. Nem sei se é por mim ou por ela ou por ele que eu puxo a cordinha da coleira. Vou puxando e vamos saindo da grama e alcançando o duro do asfalto. O caminho sem tropeços e onde a gente pode correr. E a gente corre para fazer a travessia e alcançar a outra calçada. Ela me puxa ou eu a ela. Sabe lá. Sei que lá do outro lado as duas tornam o olhar para ele. Grande, branco, uma mancha marrom que envolve todo o olho esquerdo. Garboso sobre as patas e o desespero. Sob o olho que ainda olha. Ela de novo me olha. Eu olho mais uma vez a cena e puxo de novo a cordinha. Ela abana o rabinho. Desentende. Entende e me segue. Eu sigo a ela e a esse adeus. Desentendo e aceito. Entendo e sigo.

domingo, 15 de agosto de 2010

Leiam PERFUME. Um conto feito na Oficina do SESC Santa Catarina em 2009. Disponível em: http://poemasclotildezingali.blogspot.com/

sexta-feira, 13 de agosto de 2010

ABSORTO EM ABSURDOS


Dia desses acordei por volta de 5 da manhã. Como estava num hotel e a televisão bem na minha frente, liguei. Estava passando uma daquelas aulas do Telecurso 2° grau. Aula de desenho técnico em mecânica. Projeção Ortogonal e rotação. Comecei a olhar aquilo. O pensamento cheio de nós. Rodando perdido numa imagem insistente. Eu estava tão absorta. Acho que nada ali fazia sentido, mas por estar tão absorta, deixei meu olhar ali. Lembrei de algumas aulas do curso de Arquitetura. Desenho Industrial. Comecei a enxergar alguns cortes possíveis e consequentemente, a visão da peça por aqueles pontos de vista. Olhando assim um detalhe parece estar distorcido. Você então deve fazer a rotação desse trecho para visualizá-lo melhor. Sinapses ocorrem e começo a transferir essas informações para a vida. Para as coisas da vida. Pois não é verdade que certas vezes as coisas da nossa vida ficam com, digamos, uma alteração na sua imagem? É verdade. Dependendo dos óculos com que vemos certas coisas, descontadas as patologias e alterações do pensamento, do juízo e do diabo a quatro, certas vezes o que vemos é pura distorção. Aproveitando a técnica busquei a imagem insistente. Olhei-a bem de frente. Observei o que, esteticamente, me pareceu em desalinho. Acho até que meu inconsciente quis me impedir esse olhar. Parecia tudo tão perfeito. Tão convergente. Quase me absorvendo. Chacoalhei a cabeça, os neurônios e fixei o olhar. Depois distanciei para ajeitar o foco. Foi então que eu vi. Ali. Quase escondida embaixo da ilusão de ótica estava enunciada a distorção. Aí parti para a aplicação da técnica. Rotacionei aquele trecho em relação ao eixo para enxergá-lo melhor. Ajeitei o ângulo para melhor visualização. Fiz elevações frontais, laterais. Explodi o detalhe. E então fiz o corte. Agora eu podia olhar aquele trecho por dentro. Examinar suas partes. Entender a “peça” em perspectiva, suas diferentes visões e os possíveis cortes. Um show de pontos de vista complementares. Aí percebi as maravilhas da ciência. Com técnica ela faz a gente ver poesia onde há apenas uma peça. Descolada da sua realidade. Poderia ser desentendida inclusive por isso. Por despertencer. Mas dependendo dos olhos que você põe sobre ela, você a localiza no tempo e no espaço, enxerga seu movimento e ela vai deixando de ser peça para ser componente de algo. De algo que tem uma função. Entender a peça no seu contexto é amá-la e amar uma coisa é perceber isso. Perceber que sem o contexto, a coisa é simplesmente acúmulo de átomos. Contextualizada ela passa a ser um acúmulo organizado. Tem função. Tem razão de ser. Eu idem. De certos pontos de vista sou somente acúmulo de átomos. Mas olhando a coisa desse jeito eu ganhei contexto. Virei pessoa que manipula a peça e enxerga seu bonito. Tudo isso porque eu estava tão absorta. No mais, continuo por aí. Como se eu pudesse tocar alguém com a palma da minha mão, com a superfície dela e a alma, e ampará-la caso caísse. Mas certas vezes nada pode ser feito. Há um silêncio por demais grande e desmedido. Há planetas e peças e pessoas e coisas que orbitam em diferentes eixos e jamais se comunicarão. Cada um absorto no seu absurdo. E então a gente canta. É como diz aquela música: “pois cada um é cada um, no desejo e no sonhar”.

quinta-feira, 5 de agosto de 2010

REMINISCÊNCIAS DE UMA PELADA

REMINISCÊNCIAS DE UMA PELADA


Oi Luís. Ontem falaram de você lá no boliche. Foi uma conversa de que não participei. Falo isso porque quero dizer que apenas escutei um rabinho da conversa. Quando escutei seu nome senti saudade, sabia? Tanta, que acho que esse tempo todo estive disfarçando. Não que eu goste, mas é o que se pode fazer. A verdade é que tenho saudade de você e ponto. Ponto. Ponto para eu abrir um novo parágrafo ou simplesmente continuar exatamente de onde parei. Sabe onde parei? Nunca, um dia sequer, eu não senti saudade. Ficou um vazio enorme e eu coloquei uma porção de coisa no lugar. Tanta coisa. Fiz até um doutorado. Muitos sonhos acalentados. Distrações várias. Muita distração para tirar o foco de luz da saudade. Eu precisava “jogar” você pra escanteio. Recomeçar o jogo depois da bola ter violado a linha. Mesmo pelo ar. Isso é escanteio, certo? Escanteio é de onde surge a possibilidade de alguém fazer gol, não é? Pois então. Passei essa bola para alguém bater e saí da frente da televisão. Nem vi se foi certeira pro gol. Foi? Sei lá. Nem me conte. Eu é que fui pra escanteio e acho que estou lá até agora. O escanteio virou limbo. Limbo, que é o lugar onde a gente fica em estado de “pause”. Só os ponteiros no relógio andam e a cena fica lá. Paradinha. Agora, sei lá quem foi que desapertou o botão. Eu nem percebi como. Quando vi estava no canto do campo, a bola ali pedindo pra ser chutada e o maldito “pause” dentro de mim. Dentro de mim. E de novo tenho opções em demasia só para piorar o confuso do meu estado. Acho que não te coloquei pra escanteio. Eu fui pra lá. Pra esse canto do campo onde botam fé na gente, esperam um chute certeiro. E que alguém pegue de rabeira e faça o gol. Eu não chutei com garra e fé. Sequer fechei os olhos e chutei. Não aleguei contusão. Não veio maca. Eu simplesmente deixei a bola pra outro. Desisti. Desistir é verbo de ação. Ação de quem não age. De quem prefere fugir. Eu quase vi seu rosto naquele momento. Um certo alívio misturado a uma certa perda. Será? Confesso que senti um enorme alívio. Pensei ter adentrado o paraíso – espaço qualquer sem rastro nenhum da sua ausência. Sem a presença da ausência. Dias bons aqueles da sua ausência. E agora? De onde vem essa lembrança do som da sua voz? De onde vem para me invadir assim? Me fazer descobrir que ainda estou sob o aperto do botão. No jugo. No canto. De novo com a bola no pé. Você ali no meio. Quer que eu chute pra você meter o pé e fazer o gol. É você quem quer fazer o gol. Eu quero chutar pra você. Quero? Quer saber, Luis? Tô tirando meu time de campo. Fica você com o uivo da galera. Com o êxtase do momento. Chama o juiz. Pede cartão vermelho. Surta de verdeamarelo dentro do campo e me esquece. Vê se me esquece. É só um jogo. Só uma bola rolando. Tinha graça eu adorar o som da sua voz, o seu sorriso, o seu beijo molhado e deixar a bola metida dentro da rede? Eu preciso mesmo de um bom tiro de meta. Reiniciar essa partida do zero. Afinal, a bola saiu completamente do campo pela linha de fundo. Sem gol marcado. E o último toque você sabe de quem foi. Isso não se pode negar. Então tá falado. Eu fui. Se não tiver bom pra você, reclama lá com o cara de preto. Na dúvida, ele apita.

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SOBRE QUESTÕES RESPIRATÓRIAS E AMORES INVENTADOS

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