sexta-feira, 21 de maio de 2010

SOLIDARIEDADE: há em mim, há em ti

SOLIDARIEDADE: há em mim, há em ti
No último dia 18 comemorou-se o Dia Nacional da Luta Antimanicomial. Este ano, com a realização da IV Conferência Nacional de Saúde Mental, que acontecerá entre os dias 27 e 30 de junho e cujo tema dá título a esse texto, pretende-se discutir e traçar novos rumos para a área. Na luta diária por uma sociedade sem manicômios, muitos são os desafios e as resistências a enfrentar. O Conselho Federal de Psicologia (CFP) defende a substituição do modelo manicomial pelo tratamento em liberdade e a perspectiva da participação social. Para tanto, apóia a Lei da Reforma Psiquiátrica (nº 10.216/2001) e luta pela efetiva implementação dessa política que exige a transformação de muitas outras políticas. Convoca a sociedade ao olhar e à ação solidária que possam garantir igualdade na diversidade e cidadania plena a todos os sujeitos. A Reforma Psiquiátrica propõe a substituição do atual modelo hospitalocêntrico de reclusão por alternativas como os Centros de Atenção Psicossocial (CAPs), Residências Terapêuticas e Centros de Convivência, pondo fim ao enclausuramento sistemático. Eu me uno a essa luta e faço aqui uma singela homenagem a um grande homem que passou por essa vida e deixou um legado de riqueza, singularidade e amplitude. Essa homenagem segue também para Augusto, João, Matias, Isaor, Maria, Laura, Estamira....

Para Antonio Bispo do Rosário

Dizem que sou esquizofrênico. Dizem porque eu falo. Eu utilizo a palavra que para mim é ferramenta. Entende? A palavra é ferramenta. Expressa imagens, expressa códigos, expressa. E eu tenho muita coisa na minha cabeça. Dentro e mais dentro ainda. Querem me dopar para que eu silencie. Mas eu não aceito. Querem impedir em mim o que é alimento, substrato. Eu nego. Então eu produzo e mostro para eles. Eu mostro toda a potência. Eu mostro toda a intensidade e digo quem é meu mestre. Digo sobre a missão. Eu vim para revelar. E tudo que se coloca como barreira, eu salto. Eu salto as impossibilidades. A minha obra eu crio porque é necessário multiplicar. Eu conto as histórias para eles. Eu digo tudo. Mostro meu sistema, as coisas que interferem nas outras coisas e nelas mesmas e coisas novas que vão surgindo. É um processo. Só quem compreende pode penetrar. E é por isso que eu sempre exijo que respondam a pergunta: “De que cor você vê a minha aura?” É um código de acesso e eu tenho a senha. Alguns eu permito que entrem. Convido para participar comigo daquilo que vejo e sei. Mas eu dirijo. É como um ritual de adentramento. Tudo que eu tenho para dizer eu escrevo. Escrevo nos rótulos das embalagens variadas que faço. Escrevo nos meus bordados. Sim. Eu bordo nos tecidos as histórias que conheço e os lugares onde estive e vou. Eu bordo fazendo uma seleção de coisas e pessoas que devem ir também. As pessoas e coisas assim bordadas existem de uma maneira diferente. São nomeadas e são decorativas. E eu reflito sobre isso e sobre as coisas. Reflito sobre o fato de me nomearem e atribuírem. De me trancarem aqui nesse lugar. Mas eu decido ficar. Querem-me? Eu decido ficar. As vozes que ouço e posso distinguir eu recrio, assim como recrio a condição em que estou aqui. Eu vim para inaugurar outros mundos e tudo que me move é a fé. A fé e a voz que ouço e que transformo em palavras. Transformo nas palavras que escrevo. Pintado ou bordado eu escrevo. E escolho morar aqui onde estou. Eu moro num manicômio. Eu escolho estar aqui. Eu escolho o azul. E tudo que faço é para Deus. Por isso registro as coisas. As coisas desse mundo. Pois foi isso que ele me pediu quando enviou a mensagem: “Reconstrua o universo e registre sua passagem aqui na terra”. É o que faço. É por isso que utilizo o lixo que recolho do hospital. Utilizo restos. Inclusive panos e trapos. E bordo. Porque o universo só pode ser reconstruído a partir do que existe nele. Do que os homens utilizam. E das mulheres. Fiz mantos para elas. Mas é preciso deixar claro que tudo que faço não faço para os homens, mas para Deus. E as vozes que vêm lá de longe e que eu ouço me ajudam e orientam a retomar com intensidade essa construção, essa imprevista experiência onde os outros todos estão convidados a discursar comigo. Porque estou submetido e retratando o dualismo deles. Que é meu também. Mas eu mostro. Jogo a pedra e não escondo a mão. Minha mão é azul. Assim como o rastro que fica atrás. E a senha. Azul.

quinta-feira, 13 de maio de 2010

PRESENTE, PASSADO E FUTURO

PRESENTE, PASSADO E FUTURO

Nos últimos dias, o assunto FUTURO foi a tônica de conversas ao sol, à sombra, desfrutando da beleza do mar de um lado, do rio do outro e de pássaros desfilando seu voar. Já é passado. Mas a sensação mora em mim ainda. Bem perto. E foi futuro, quando segui para São Francisco esperando passar momentos assim. Do que se trata o futuro, afinal? E “aonde” mora esse surpreendente cavalheiro que açoita nossos pensamentos e brinca com nossas expectativas?


Para uns o futuro está logo aqui, esmurrando a porta e pegando de surpresa:


- mas já! Puxa... eu achei que teria tempo de me arrumar, de guardar dinheiro, de gastar dinheiro! Mas eu nem arrumei a casa, nem comprei o adaptador para tomada trifásica. Mal tive tempo de instalar o fio terra! Ah... Se eu soubesse. E agora, meu Deus! O que faço?


Para outros a visita nunca chega. São minutos, horas, dias, anos inteiros de espera e o dia a dia da mesma constatação:


- Não, ainda não. Estou esperando uma estiada no trabalho. Aí eu faço. Nas férias eu farei: vou ler isso tudo. Assim que ela chegar eu direi o que está entalado aqui dentro há anos. Quando eu me aposentar vou cuidar disso. Se eu nascesse de novo eu iria...


E ainda há os que ignoram o futuro:


- Futuro? Eu não penso nisso. Minha vida é agora e amanhã sabe lá! Preservar o planeta pra quê? Nem filho eu tenho! Quero é meu banho diário de meia hora. Isso sim. Guardar dinheiro não! Para quê? Para pagar meu caixão? Quando acontecer o pessoal se vira... Quero é aproveitar tudo!


É engraçado. A mim parece que passado e futuro são coisas relativas a um mesmo ícone. Ao Presente. Ao desejo que nos move aqui e agora. Pra lá, pra cá. Pra ficar parado também!


O que será o passado, senão o que fizermos hoje?


O que será o futuro, senão o que fizermos hoje?


Absolutamente ambos referem-se às nossas ações hoje. O que fazemos hoje transforma-se em “ontem” 5 minutos depois. Aliás, numa fração de segundo já vira passado. O que desejamos agora e nos move, em segundos também já é futuro. Ontem e amanhã. Ambos maravilhosos e impalpáveis. Tudo que temos é o desejo que nos move nesse exato segundo. É o hoje. E o nome do hoje é “Presente”.


O que é o presente senão algo que nos dão ou vamos lá pegar e transformamos, lemos, odiamos, amamos, exploramos, doamos? O que é “Presente” senão algo que nos surpreende quando tiramos o laço e abrimos a caixa? E daí choramos, corremos para o abraço, sorrimos, cantamos?


Gostamos de pensar de onde viemos e para onde vamos. É assim desde que o mundo é mundo. A grande dúvida que move o homem em sua trajetória pelo presente. Isso não significa que não devemos considerar o passado, olhar para ele com desmedido amor. Não significa também que não devemos sonhar, pensar o futuro, trabalhar por ele. Mas o presente é a única realidade possível. Uma realidade onde podemos dar voz à nossa vontade para escrever o que um segundo depois será passado e desenhar o futuro antes mesmo que ele aconteça. Desenhar o futuro que depois será escrito. E o maravilhoso dessa mistura, é que pensar no futuro, fazer planos, se preparar, o que quer que seja, além de alterar nosso presente, muda a imagem de passado que podemos prever caso as coisas não se alterem... Não é assim o cuidado com o meio ambiente? Você pensa o que pode significar a falta de água no planeta (perspectiva bem provável!), então procura economizar um pouco no seu presente. O que acontece? Talvez tome banho todos os dias até seu derradeiro dia! Será esse o futuro. Porque desenhamos desse jeito no presente. Não é?


Então... Façamos lindo nosso presente. Cada segundo já passou. Não vê? Passou nesse instante. Então, se você vem sentindo o tempo escorrer por suas mãos, só por hoje, sorria, cante, abrace, fale mais baixo, mais alto. Coma direito, tome água. Adote um animal. Uma criança. Uma causa. Lute. E ponha pra tocar Raul e cante com ele em frente ao espelho, sorrindo pra você mesmo: “Tente! Levante sua mão sedenta e recomece a andar! Não pense que a cabeça agüenta se você parar! Não, não, não, não. Há uma voz que canta, há uma voz que dança, há uma voz que gira bailando no ar”. Queira!

quarta-feira, 12 de maio de 2010

CARTA DE EMA PARA GERTRUDES

CARTA DE EMA PARA GERTRUDES

Querida Gertrudes,


Na última carta você me perguntou sobre as palavras que escrevi para aquela pessoa. Não sei se poderei explicar, mas tento. Queria muito mesmo falar com ela, e como não houvesse possibilidade, comecei a escrever. Foi tomar a caneta em minhas mãos e as palavras começaram a riscar o papel - como a formar desenhos que me antecipavam – diziam de mim e eu mesma não sabia. Não saberia dizer como elas nasceram. Se de mim, se da caneta ou mesmo se já habitavam algum espaço antes de estamparem o papel. De tanto não poder afastar de mim esse sentimento, talvez as palavras tenham resolvido me criar. As palavras me criando. O texto me percebendo logo que a caneta riscou as primeiras palavras e outras foram surgindo, se encadeando como uma grande corrente. Elas me criando e eu seguindo por caminhos que ora eu advinhava e ora advinhavam a mim. Me antecipavam as palavras.... Você acredita? Você me perguntou que sentimento é esse? Oh, eu não direi que é amor! O que é o amor afinal, não é minha amiga? Digo apenas que tenho me ocupado disso. De vivenciar esse sentimento. Se prefere, de amar. Dionísicamente. E vou me perdendo e me encontrando em meio às pinturas que crio. Me perco em meio às tintas. Tantos azuis, laranjas e outras que se misturam. Me perco em meio à minha própria imaginação e lá vou me achando. Li que Einstein dizia que a imaginação é mais importante que o conhecimento. Estou bem, então, não acha? Parece ser essa a lógica. Pensamentos e imagens vão se formando a partir dos devaneios e quando vejo está lá tudo escrito. É uma forma de, quem sabe, sonhar acordada. Sim, porque a consciência nunca me escapa. Mas deixemos disso por ora. Quero saber de você. Como andam as arquiteturas? Anda poetizando essa cidade com seus desenhos? A arquitetura é um jeito de fazer poesia em três dimensões, não acha? Uma obra. Se bem filosofada vira arquitetura, se bem construída vira poema. Lembro de alguns dos seus desenhos. Da força que imprimia no traço. Eu olhava e via pura poesia. Preciso confessar algo. Promete que guarda junto com os outros? Vendi todos os livros da Isaura e usei o dinheiro para pagar o débito com o cartão de crédito. Acha justo ela me impingir esse peso? Eu cansei de carregar essa menina sobre os ombros. Não mereço isso, não é verdade? Mas não diga nada. Quando ela se dignar a me fazer uma visita e perguntar por eles, eu digo. Não lia aquilo tudo quando estava aqui, não é agora que vai ler. Quem leu fui eu nesses anos todos da ausência dela. Se não é você para dividir meus destemperos eu teria enlouquecido. Se ela quiser saber de algo, que me pergunte, não é? A biblioteca de Isaura mora em mim  agora. Quem sabe é um meio para ela conversar um dia comigo. Tudo que estava nos livros agora trago tudo dentro. Inclusive os pensamentos de Nietzsche. Também “O Príncipe”, de Maquiavel. Conte quando pretende vir. Vamos arquitetar as palavras e poetizar a vida. Sua sempre amiga, Ema.

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