terça-feira, 29 de dezembro de 2009

CONVERSAS DE BOTECO





O casal que cozinha junto abre portas para as coisas. Ao ouvir isso na mesa ao lado da sua, Alex, que anda meio “assim” com Júlia, resolve experimentar. Telefona pra mulher e diz de sopetão: vamos fazer uma comidinha hoje? Ela quer dizer não. Anda tão cansada. Mas o inusitado se impõe. Ela então diz: tá; vamos. E é assim que Júlia e Alex certa noite resolvem preparar uma salada de polvo e camarão. Onde começa isso pode variar. Pode ser quando se compra o polvo. Pode ser que começe com a ideia de fazer algo juntos ou pelo inusitado do convite do próprio marido. Porque recorda um prato que comeram. Um lugar onde estiveram, ou simplesmente porque passam a gostar da ideia de inventar algo juntos. E aí dizem. Ou ele diz. Ou é ela quem diz: Vamos fazer uma salada com camarão e polvo? Igual aquela que comemos no Nordeste? Continuam. Tem toda uma dinâmica envolvida. Pode ser bem trabalhoso. Ou não, como diria o amado Caetano. Como se prepara um polvo? Ela pergunta. Vão para internet. Pesquisam. E aí vem o segredo, começam a improvisar. De improviso em improviso vão conversando, ela conta uma estória. Serve vinho para os dois. Ele lembra e recorda uma viagem que fizeram. Alex e Júlia improvisam o estarem juntos. A sensação do “assim assim” vai diluindo. Improvisam no preparo do polvo. A receita é só um guia. Manda mais a lembrança do que viram e o entendimento vai surgindo. Como algo primitivo. Vai vindo à tona conforme você caminha. E seguem os processos. Lavar as folhas da salada. Deixá-las de molho. Lavar o manjericão e sentir o cheiro dele enquanto é manipulado. O cheiro que também fica nas mãos. Cortar os tomatinhos cereja. Essa parte ele inventa, já modificando a receita que experimentaram antes (para melhor, muito melhor!). Temperar o camarão. Separar. Aí vem o polvo. 
E a surpresa de achar um minúsculo peixinho embaraçado nele. Deve ficar de molho em água com vinagre por uns 15 minutos, que é para soltar qualquer vestígio de areia. Depois o enigma: Batê-lo ou não contra a tábua para tirar de vez qualquer vestígio de areia. Uns dizem quem sim, outros que não. Na dúvida, bateram. Depois cozinhar num caldo aromatizado. Uns 25 minutos dependendo do tamanho. É nesse momento que ele olha pra ela e diz. Temos 25 minutos. Sorriem quase surpresos. 25 minutos. Correm para o quarto. Vão arrancando peça por peça de roupa e se atiram embaixo das cobertas. Seguem-se abraços e beijos que se esquentam. E o polvo lá na cozinha. Ele esquenta também. Polvo na panela. Dinamite é polvo cozinhando ali no quarto. Tentáculos pra todo lado. Uns tantos minutos depois ela pergunta brejeira: E então, quanto tempo o polvo ainda tem? Riem. E lá vai ele atrás do bicho lá na panela. Escorre. Corta em pedacinhos. Monta meticulosamente a salada. Entrelaça as folhas de cada espécie. Joga os tomatinhos por cima. Joga os camarõezinhos por cima. Os pedacinhos do polvo. Azeite de oliva. Pouquinho de sal. Sentam. Olham aquilo tudo. Uma garfada, outra. Uma delícia. Cada um na sua boca sente o sabor e a dureza do camarão. Do polvo. Sentem sua textura. Entreolham. 25 minutos. Perfeito para eles. O polvo? Ela diz: Passou um pouco do ponto. Ele sorri matreiro. Nem pensa na conversa que ouviu na mesa.

sábado, 26 de dezembro de 2009

SINAL FECHADO

SINAL FECHADO
É leitor, é dezembro. Mais uma vez é natal. Esse negócio de mais uma vez acontecer alguma coisa, se por um lado passa a ideia de “repetição”, de outro remete à possibilidade de enxergar diferente. Porque acontece e acontece de novo, e mesmo assim a gente pode se surpreender. Pelas nossas atitudes ou pelas dos outros. E o natal, a despeito dos significados próprios e agregados, traz essa dinâmica de “acontecer de novo”, essa oportunidade de nos colocar num mesmo lugar e poder olhar para isso de um jeito diferente. Em verdade, todo dia é especial. Ao dormir, o simples fato de depois acordar já é um recomeço. Suar a camisa o dia inteiro, e novamente ir dormir no final desse dia, também é. É que tendemos a não ver assim no embolo da vida. É tanta correria que a maior parte de nós mal se dá conta. 365 dias de trabalho e compromissos que nos absorvem e muitas vezes a gente só vai seguindo e cumprindo as etapas. Outra questão é o que a gente empresta dos outros e também dos momentos, para agregar às nossas fantasias. Se podemos emprestar a loucura, o corre-corre, os presentes, os panetones (e a vida que às vezes acaba em panetones caríssimos!), de outro lado podemos emprestar o desejo genuíno de olhar para o nosso desejo. Porque de certo modo se apresenta um movimento geral em torno dessa ideia. Fim de ano é algo convencionado e também carregado de simbolismos. E isso é próprio do ser humano. Trata-se, justamente, de representar no mundo da fantasia o nosso desejo. De lançar uma proposta para o futuro. E então “dar duro” por ela, em nome dela. E porque não, silenciar um pouco diante dela para nos escutar e, quem sabe, escutar o outro. Como na música “Sinal Fechado” de Paulinho da Viola, no nosso corre-corre estamos “sempre a cem”. Então, esse silenciar vira mesmo uma oportunidade recheada desse desejo dele que representa o de tanta gente: de silenciar um pouco, tirar a armadura. Tentar se surpreender com algo, mesmo que esse algo nos seja conhecido. Enfiar nossas mãos na terra e sentir. Eu convido você. Convide alguém. Surpreenda-se. Ao invés do fluxo doido do consumo, da correria, das obrigações: estancar no vermelho. Deixar um pouco de seguir a tropa. Buscar um afortunado encontro com o “seu dentro”, com o seu desejo. Aproximar-nos das pessoas com quem convivemos e que às vezes, pouco sabemos delas; e, de algum modo, nos deixar nortear pelo “sinal fechado”:

“olá, como vai?

eu vou indo, e você, tudo bem?

tudo bem, eu vou indo correndo pegar meu lugar no futuro e você?

tudo bem, eu vou indo em busca de um sono tranqüilo, quem sabe?

quanto tempo

pois é, quanto tempo...

segunda-feira, 21 de dezembro de 2009

PAIXÃO E PREVISÕES METEREOLÓGICAS

PAIXÃO E PREVISÕES METEREOLÓGICAS
Quando, em meio ao feio de uma tempestade que no céu se arma, questionam a moça (ela em vão tenta recolher as roupas do varal), entrelábios responde: eu tento segurar e livrar as roupas da tempestade. Eu tento segurá-las. Eu tento me segurar porque as coisas ventam e fazem tempestades em mim. . Nara está apaixonada e diante de todas as alterações climáticas, prevê cataclismas. No verão eu ardo de amor e no inverno sinto muita falta dele. Ele, que desde aquele manso setembro (em outros tempos a natureza era mais quieta) chegou sem previsão. O clima já era em ebulição (apenas não se sabia). Foi então depois de algum tempo que as geleiras começaram a derreter. O aquecimento global a deitar seus efeitos. Nara então passou a ler previsões. Se precaveu. Trancou as portas, colocou travas na janela e elevou os móveis do chão. Mas ele veio água em movimento. Veio tsunami. Passou por cima de todos os esteios. Balançou a rigidez dos arranjos e entrou por todos os canais. Alagou o mundo da moça. Se ela tivesse prestado atenção... Lembra do silêncio que se fez antes. Do barulho que retumbou quando se viu no olhar dele. Se prestasse mais atenção não estaria tão distraída, tão sujeita aos ventos, às águas e seus movimentos. Mas estava. E então as previsões encheram os vazios de sustos e sulcos. De olhares afivelando ideias, escapes – saída qualquer. Nara sente-se escorrer. Olha para trás e vê o chão que sumiu a cada passo que ela deu. Pensa no seu nome diante disso. Em cada uma das letras de seu nome que circula no centrípeto e no centrífugo da ideia, dos furacões e tornados misturadas com as letras do nome dele. As letras misturadas rodando lá dentro e o fenômeno se carregando dessa energia. Parte das ideias sendo arremessadas sabe-se lá para onde e as outras numa descida frenética para o centro. Então ela pensa no ralo. O ralo do mundo. Tudo vai para o ralo, afinal. O ralo do mundo. Quase se aquieta (se o caminho natural é esse, o que se pode fazer?). Ela quase. Porque a despeito de previsões metereológicas, ela é instabilidade: é vento e coisa que é levada por ele. É tempestade. É fenômeno e pessoa. Apaixonada, Nara nunca toca a vida com a ponta dos dedos. Então ela abre a porta e pisa na soleira olhando para o céu. Um feixe de cinza e alguns raios prenunciam outra tempestade. Lembra de uma poeta catarinense e vai até a calçada. Atravessa repetindo: “mulheres ensimesmadas não atravessam a calçada”. Sorri relâmpagos.

sábado, 19 de dezembro de 2009

A ARQUITETURA E AS CIDADES - publicado no caderno ANEXO do Jornal A NOÍCIA de Joinville em 10 de dezembro de 2009.

A ARQUITETURA E AS CIDADES


Terça-feira, dia 15, Niemeyer fez 102 anos. O homem-arquiteto, ícone da arquitetura no Brasil e no mundo, ativo aos 102 anos. Independente de como repercutem suas obras, não há dúvida de que se trata de um grande artista mundial, páreo para Leonardo Da Vinci, Michelangelo, Gaudi, Santiago Calatrava e demais "artesãos da forma". Eu nunca fui fã dele e de suas obras, mas sou fã da vida. Um século de existência produtiva e criativa nos faz pensar no tempo. Refletir sobre a ideia que "a vida é tão efêmera quanto uma fagulha para o tempo, mas para o homem é tudo". Isso me fez pensar em arquitetura, em Joinville, e em como estamos preparando a nós e a nossa cidade para nossa existência aqui. Obviamente, o tempo cobra seu preço, apesar de todos os recursos possíveis para mitigar os prejuízos da idade. As atividades mais elementares para um cidadão centenário tornam-se fortes desafios quando tais recursos não se colocam à disposição. Estou falando de inclusão universal - inclusão cultural, social, urbanística e tecnológica. A sociedade, a cidade, os meios de comunicação, os serviços públicos e privados têm, para o seu próprio bem, obrigação de amparar dignamente todo e qualquer estado físico e emocional de seus cidadãos. Cidades que excluem seus cidadãos - quer por seus espaços e elementos construídos, suas barreiras arquitetônicas (escadas, degraus e toda parafernália imprópria instalada nas calçadas e praças), falta de sinalização podotátil, sonora e visual entre outros, até o mal atendimento nas instituições, falta de assentos para filas, desrespeito ao parco privilégio dos idosos, grávidas, deficientes permanentes ou provisórios - estão em descompasso com a própria existência. Sim, porque ninguém se imagina numa cadeira de rodas ou de muletas, até quebrar um pé ou perna, ou ter que empurrar um carrinho de bebê, ou ter que atravessar uma rua no tempo do farol com pernas que não são mais jovens. Confortos tão simples e tão raros. Joinville tem uma faculdade de arquitetura. Um curso com viés tecnológico e compatível com a necessidade de formar pessoas para atuar na arquitetura e urbanismo, no paisagismo e na reciclagem. Atuar nas empresas de gerenciamento e execução de obras civis, públicas e privadas, de planejamento urbano e industrial. É preciso pensar numa interlocução desses seres em formação com a sociedade que lhe faz frente. A arquitetura pode muito. Na atual crise das cidades que vivenciamos, sabendo ser a cidade “a coisa humana por excelência” , o estado do homem e das relações que ele estabelece com o espaço que ocupa e constrói, temos que dialogar. Quando se pensa que no Brasil são gastos recursos enormes na realização de planos e de projetos urbanísticos sem que muitas vezes ninguém se preocupe em verificar a eficácia de seus postulados quando levados à prática, vemos a necessidade de se preocupar com o fato de que é na cidade que a vida acontece. Onde seres humanos se relacionam, interagem e se expressam como sujeitos. O que tudo isso tem a dizer aos planejadores urbanos? Há que se pesquisar e responder a isso. Cidades não são objetos idealizáveis abstratamente e nunca se comportam de acordo com as fantasias de quem as trata dessa forma. É preciso saber quais são os verdadeiros efeitos de determinadas ações sobre o meio urbano. Se um dia houve espaço para Niemeyer junto com Lúcio Costa, projetar uma cidade inteira, o exercício de produção de espaços urbanos está mais que na hora de exigir uma boa parada crítica e reconsiderações teóricas. Não é mais possível separar o ato de se pensar em propostas de arquitetura e urbanismo do ato de pensar também suas consequências. É preciso repensar uma área de domínio profissional, propor novos conceitos e re-examinar o que sempre foi proposto como verdade. Problematizar para buscar novas soluções. Como disse Aldo van Eike em 1974: “Apontar as estrelas-alvo antes que os foguetes partam”.

segunda-feira, 14 de dezembro de 2009

PRÊMIO JOINVILLE DE LITERATURA - Crônica publicada no Jornal A notícia em 10 de dezembro de 2009.

PRÊMIO JOINVILLE DE LITERATURA


Quinta-feira, 03 de dezembro, aconteceu no Anfiteatro da Biblioteca da Univille, a 6° edição do Prêmio Joinville de Literatura. A novidade dessa edição é justamente a participação da Univille através da Pró-reitoria de Extensão e Assuntos Comunitários que agora se une ao departamento de Letras, ao programa de extensão Proler e a Mercado de Comunicação para a realização do concurso. Todos unidos para abarcar a movimentação literária e cultural que ocorre na cidade por conta disso. É algo que, como eu disse a respeito da feira do livro de Porto Alegre, não pode passar sem se comentar. Por que? Porque ano a ano a ideia se amplia, os talentos se ampliam e o evento ganha dimensão. A edição atual teve 391 inscritos (o dobro da última edição), participando na categoria poemas e também contos e crônicas. Uma novidade também que se reforça esse ano é a integração de outros municípios, envolvendo Araquari, Barra Velha, Barra do Sul, Campo Alegre, Corupá, Garuva, Guaramirim, Itaiópolis, Itapoá, Jaraguá do Sul, Mafra, Massaranduba, Monte Castelo, Papanduva, Rio Negrinho, São Bento do Sul, São Francisco do Sul, São João do Itaperiú e Schroeder. E o desejo da palavra vai diluindo os limites. Foram 6 vencedores nas duas categorias e mais 4 menções honrosas. Para aqueles que tiraram seus textos da gaveta, ou que escreveram pela primeira vez incentivados pela ideia, ou que já caminham nessa seara, o que fica é o que o trabalho proporciona. O espaço que se abre para aqueles que fazem da palavra escrita sua maneira de comunicar, de dar a ver. Que desencadeia a produção de textos e faz circular a palavra. Como colocou a pró-reitora de extensão e assuntos comunitários da Univille, Berenice Rocha Zabbot Gracia, “o concurso abre um momento de reflexão sobre a arte e permite que a sociedade se torne mais leitora, crítica e comprometida com a realidade social”. Ana Ribas Diefenthaeler, coordenadora editorial do Prêmio, coloca que a literatura se faz entre amigos. Elas estão certas. Acima de tudo são pessoas que se fazem amigas da e pela palavra - fazendo dela sua forma de expressão - e fomentam a ideia de uma sociedade leitora. Como Ivan Ferraz Lemke, primeiro lugar na categoria poesia com o poema “Membrana”. Ele disse entre a surpresa e a alegria, “procuro ler mais do escrevo”. Juntamente com ele, Gleber Pieniz, Melanie Peter, Denise Warneck, Jefferson Kielwagen, Fernanda Lange, Claudio Vittória, Philipe Hugo Fransozi e Joyce Jaqueline Diehl. Todos eles e mais todos os outros que participaram descascados em seus textos e fundados na palavra. Palavra que silencia, que corta, que arrebata e então nos faz pensar ainda mais na beleza desse Prêmio. No que ele oportuniza para quem se dedica. Termino deixando alguns versos do poema premiado de Ivan. A prova de que a poesia é imagem. Imagem que a gente pinça no revés da vida e transmuta. E Ivan fez isso com maestria.

MEMBRANA

“Minha tarde é um cachorro na sombra

E olhos molhados pelo asfalto onduloso

É uma montanha levantando o braço

Poeira alcançando o branco, cor-camaleão”



O poema na íntegra mais todos os outros premiados farão parte de uma coletânea que é editada pelo Prêmio, a cada dois anos desde o seu início. O próximo é para 2010. Para Taiza Mara Rauen Moraes, professora e coordenadora do Programa Institucional de Incentivo à Leitura (Proler/Joinville) o aumento no número de inscrições comprova a necessidade da manutenção e fortificação do Prêmio. As possibilidades estão lançadas. Dentro de cada um que esteve envolvido com ele e que, premiado ou não, traz em si o desejo de se pronunciar através da palavra. É como disse Ana Diefenthaeler “Ano que vem tem mais. O Prêmio só vai acabar se as pessoas deixarem de escrever”. E tanto mais escreverão se continuarem lendo. Não tem jeito dessa equação não se fazer assim. Quem ganha com isso? Todos nós.

O MUNDO DE RAMIRO - texto publicado no Jornal A Notícia em 03 de dezembro de 2009

O MUNDO DE RAMIRO



Maria da Cota Nascimento esperou pelo homem que amava por anos a fio. Quando, no rigoroso de um inverno sem precedentes ele chegou, não o viu propriamente. Alucinou. Viu a figura incomum de um homem montado num cavalo malhado. Quase um os dois. Ela teve certeza do amor assim que olhou nos olhos dele. Em seguida abaixou olhos. Ramiro, homem de resoluções e poucas palavras foi logo dizendo: Sobe moça que não sou homem de ficar esperando. Cota, que sequer o tinha visto antes, sentiu nascer. Sentiu mesmo a volúpia e o intenso de passar pelo estreito de um canal e aparecer num outro lugar. Lágrimas desceram de seus olhos. Ele emendou: Moça não venha com dengos e me dê logo sua mão. Era tão miudinha diante da imagem dele que julgou não conseguir esse feito. Ele iria sem ela. Isso era um fato. Titubeou. Mas braço e mão dele se impuseram diante do receio dela. Ele a puxou para cima de um só golpe. E Cotinha ficou no alto, presa e prenda de um herói a mais de três metros do chão. O homem cavalgou por três dias. Sem palavras. Nas paradas que fizeram ele nada disse. Quando decidia apear para passar a noite, parava o cavalo sem mais dizer, colocava Maria no chão e ia tratar de fazer fogo para passarem a noite. Assim que as labaredas começavam a chispar deitava o agudo do corpo e já era um sono que ela não ousava sequer se mexer. A moça sequer suspirava. Sequer dormia. Quando ele acordava sem falar palavra, juntava suas coisas e montava no cavalo, ela já embaixo pronta esperava pelo braço. No quarto dia chegaram a Tucksland, um povoado no meio de um lugar qualquer. Maria viu uma quantidade inimaginável de água apoçada num dos cantos do vilarejo e bem diante de seus pés e seus olhos, pequenos morros d’água rebentavam e desmanchavam em espuma. Esse é o mar, ele disse. O lugar tinha talvez umas 20 pessoas. Homens e Mulheres. Trabalhavam todos em tarefas diversas. Extraiam água, separavam alimentos, folhas, teciam e forravam cestos com aquilo que parecia a colheita. Ramiro foi até um grande galpão coberto de palha. Maria o seguiu e ao seu silêncio. No galpão ele ateou fogo em alguns galhos, cortou com precisão a peça de carne sobre um tabuleiro, salgou e embrulhou em folhas. Colocou sobre o fogareiro. Num movimento chegou tão perto de Maria que a moça estremeceu sem sair do lugar. Sentiu o ar quente que veio junto com ele e o grave do cheiro. Olhou o homem. Aqui eu cozinho. Tomou-a pelas mãos e seguiram para outro galpão. Aqui eu durmo. E se foi do povoado sem mais dizer. Ela ficou ali, no mundo e no calor das palavras curtas e definitivas dele. Refrescou-se numa tina com água que lá estava e sorriu quando um cachorro aproximou-se balançando o rabo e fazendo chistes. Chamou-o de Dipsy. Ramiro voltou depois de alguns meses de um silêncio sem ele. No galpão tomou-a nos braços e fez nela um filho. Partiu mais uma vez. O menino cresceu dentro dela nas conversas que tinha com ele enquanto alisava a barriga. Contou para o menino como era seu mundo antes de Ramiro chegar. E contou quando ele chegou e com raras palavras a levou. Maria da Cota Nascimento agora é mãe de um filho de Ramiro e vai mostrar para o menino o mar e a cozinha do mundo do pai. O cavalo e o povoado assistem. Dipsy balança o rabo. 

Postagem em destaque

SOBRE QUESTÕES RESPIRATÓRIAS E AMORES INVENTADOS

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