sexta-feira, 27 de novembro de 2009

FEIRA DO LIVRO DE PORTO ALEGRE



55  FEIRA DO LIVRO DE PORTO ALEGRE    30/10 a 15/11 de 2009






De 30 de outubro a 15 de novembro aconteceu a 55° feira do livro de Porto Alegre. Algo que não pode e não deve passar sem comentários. Porque é um exemplo. Porque é de dar água na boca. Aos que escrevem, aos que lêem. A todos. A geografia da cidade atravessada por uma Feira do Livro. Uma praça, ladeada por edifícios cheios de história; onde um dia comerciantes e quitandeiros se juntaram e onde também acontece hoje comércio de artesanatos diversos. Um lugar onde tanto se falou e se fala. Histórias da alfândega, dos comerciantes, dos mendigos, dos que sentam para ler livros, dos que a atravessam. Do espanto dos poetas. Um lugar estampado de palavras, de falas-palavras. Em cada caco do chão. E pela 55° vez, a edição de uma feira de livros. Por toda parte. Inclusive num hospital, onde a feira foi “improvisada” para as crianças que não podem sair terem acesso ao espírito da leitura, da festa. Terem acesso ao ritmo. Vida que pulsa na palavra. Em cada sacola. Na boca. É isso que acontecia nas barraquinhas personalizadas embaixo das imensas paineiras, dos ipês e jacarandás; o chão coalhado de cores e a praça invadida, circulada, vivificada; diante da conversa paralela entre Drummond e Quintana e milhares de fotos. A democracia da palavra. Falada, encadernada, escutada, televisada, sussurada. Os escritores de muitos livros, os de um livro só, e também os de nenhum; os consagrados, os pela primeira vez nessa trilha e os que estarão lá nas próximas edições. As outras mídias envolvidas. Rádio, televisão. Jornais. Uma comunhão, uma vitrine, um oásis. A área dos expositores, dos autógrafos. A conexão com o outro lado da via. Com o rio, com a Bienal do Mercosul. Milhares de pessoas cruzando todas as fronteiras nesse passear em torno de 26 mil m2. Vozes por todos os lados, inclusive a do poste, que através de um sistema de alto-falantes divulga a programação do evento pontualmente. Shows, palestras, mesas de discussão, autógrafos. Informações, segurança. Um mundo envolvido com a circulação da leitura, da escrita, da palavra. Isso sem contar as casas de cultura, exposições, cinemas. Gentes de todos os lugares. Lugares para todas as gentes. A maior feira a céu aberto da América Latina. Literalmente. Para Santa Catarina, o estado homenageado nessa 55° Feira do Livro de Porto Alegre, além da imensa honra, possibilidades de troca cultural, de novas idéias, de verificações, constatações; de encontro, de trânsito com as diversas dinâmicas envolvidas e de mudanças. Aos que lá estiveram e também aos que não, a possibilidade de representatividade, de exposição, de “dar a ver”. Contato. Peles descascadas e o encontro do que há dentro, daquilo que funda, da palavra que nos configura, nos remete, nos assina. A palavra que descortina o homem em sua complexidade. Instaura esse mesmo homem num outro lugar. Estamos todos aqui. Estivemos todos lá. Somos um. Porque nos fundamos na palavra. A que diz, a que silencia. A que se expõe e a que balbucia. A que se arremete nos palcos e a que descansa. Para além do que foi o evento, existem as possibilidades. Que nem o Guaíba. Aquele mar doce. Que em sua origem indígena significa o lugar onde o rio se alarga. Que nem as possibilidades quando a gente silencia e admira o inesperado.

segunda-feira, 16 de novembro de 2009

NADA

Crônica publicada no jornal A Notícia em 12 de novembro de 2009.


Nada, além de ser o contrário de tudo, a resposta que você dá quando perguntam: “E aí, alguma novidade?” (e você não tem nenhuma), o vazio do espaço (que sabemos que não é vazio), o que tem na caixa de chocolate quando você chega pra pegar e não tem mais nenhum; é também uma carta do tarô.

Muito interessante essa carta. Tirá-la numa leitura pode gerar decepção. A pessoa paga um tanto pra se consultar com aquela cartomante que dizem que é o supra-sumo, ou aguarda horas numa fila pra falar com um guru não sei de onde que promete dar todas as respostas e a carta tirada é o NADA.
Aí você não se conforma. Pô... nada? Fui fazer uma sondagem e deparei com o possível significado da carta: shunyata. Um equivalente do inglês “nothingness”, que se você esmiuçar: nothing (nada) ness (partícula de negação). A negação do nada? O significado dela, basicamente, é o “tudo” que pode existir potencialmente no “nada”. Se o tudo não se apresenta abrem-se portas para quê?

Para possibilidades. Para coisas que estão ali contidas e que, unicamente, não as sabemos. Realmente não sabemos porque, de tão ansiosos em enxergar ali respostas, cegamos e saímos esbofeteando o ar (só pra começar). Um professor meu, falando sobre os mecanismos do estresse, fez uma analogia interessante. “O que é o estressado? O ansioso? É o sujeito que acelera o carro com o freio de mão puxado. Fica lá, injetando combustível, rosnando que nem louco e não sai do lugar.” Ou seja, o sujeito coloca uma energia danada na impotência. Termina o dia estarriado. Isso se não tem uma pane no meio do caminho!

Esquecendo a carta, a situação de se encontrar num grande, sonoro e retumbante vazio, pode parecer igualmente devastadora. Olhar para os lados, todos eles, e não localizar nada onde se apoiar, não localizar saídas. É aí, caro leitor, que está a mágica. Nesse escuro, nesse vazio ou nada, estão as potencialidades.

Potencialidades são o avesso do nada. Mas, para acessá-las, é preciso mergulhar antes no silêncio que antecede o encontro. É preciso relaxar. Adentrar o silêncio. Respirar, que significa inspirar, expirar. É o que digo: tem de dar chance pro “azar”, certo? E fazer como dizia Dadá Maravilha: “Deixe a bola rolar em campo que ela tem pulmão”.

Temos de abrir espaço para que as possibilidades surjam e você as veja. Porque senão, elas até vêm, mas você não vê, tão louco que está articulando sem parar. E também tem um outro dizer ótimo: “Habian cerrado todas las salidas, però el escapou por uma de las entradas”. É isso. Certas coisas você tem de silenciar para ver.

Por isso, a beleza de se olhar o vazio. O nada. Porque ele pode fazer a conexão com o que há de mais impalpável em você. Com o seu “dentro”. Só nesse estado é possível enxergar potencialidades. Todo o mais são articulações inúteis sobre coisas que nos fogem. E não é preciso o tempo todo correr atrás das coisas. Sério! Na delícia do silêncio, no encontro de você com seu “dentro”, certas coisas caem no seu colo, tocam a campainha. Vamos escutar o vazio?

terça-feira, 3 de novembro de 2009

EDUARDA

Crônica publicada no Jornal A NOTÍCA de Joinville em 29 de outubro de 2009.

Eduarda precisa de férias. Há meses vem notando fragilidades. Outro dia achou a chave do carro na lavanderia. O telefone celular esquece na bolsa. Pois se não toca ela até esquece que tem. Eduarda não esquece que não toca e então esquece que tem. O celular que não toca. A academia que não está indo. As duas consultas finais com o dentista que não arranja tempo para marcar. O marido que trabalha como máquina. Quando chega em casa ele desliga. Eduarda e o marido estão precisando de férias. Quando começam a perguntar quem tirou de não sei aonde o não sei o quê, já o sinal amarelo está aceso e o diabo é que não percebem o ringue instalado bem no meio da sala. Eduarda, mulher à beira de um enguiço, pensa se isso é justo com ela. Fica se amarrando com as roupas para lavar, a comida para fazer, o seminário de geopolítica que deve apresentar e essa maldita lâmpada que não ilumina nada. Essa lâmpada não ilumina nada! ela diz. Ano que vem vou passar um mês na Bahia, ah vou. Correr tanto pra quê? Amanhã tenho uma crise de pânico, um lapso na memória, esqueço até meu próprio nome e daí quero ver. Arnaldo tendo que me convencer o tempo todo que ele é o meu marido. Dizendo: olha querida, a foto do dias em que nos casamos. Aí quero ver ele desligar quando chega em casa. Vai ter que ficar na tomada o tempo inteiro! Porque eu, Ah, Luzia, eu é que vou estar desligada! Logo bate na boca. Pensa, não posso reclamar, ai, não posso. Tenho uma vida tão boa. E se eu tivesse que todos os dias ir para sessões de hemodiálise? Se eu fosse cega? Ai meu Deus! Nessas ocasiões se enche de vigor e então prossegue. Fica nessa dependência esquizofrênica e agradece. Obrigada, Senhor. Obrigada. Mas o diabo é que não há permanência nenhuma nisso. Mas será o Benedito? Eduarda, que é assim assim com as coisas do céu tem lá sua predileção pelo santo. E às vezes canta: “Não freqüento missa, novena, confissão, mal faço o sinal da cruz, não ando em procissão. Nas coisas do céu eu muito pouco acredito, mas gosto, gosto, de São Benedito. Mas gosto, ah, como eu gosto, do meu São Benedito”. E então se enche de uma paz que quase não reconhece. 

Postagem em destaque

SOBRE QUESTÕES RESPIRATÓRIAS E AMORES INVENTADOS

http://metropolitanafm.uol.com.br/novidades/entretenimento/imagens-incriveis-mostram-a-realidade-das-bailarinas-que-voce-nunca-viu...