sexta-feira, 22 de maio de 2009

COISAS VERMELHAS

Crônica publicada no Jornal A Notícia em 21.05.2009



Para falar de coisas vermelhas devo escrever em preto. Entre outros motivos, facilita a leitura. Mas no meu computador está em vermelho. Então peço ao leitor, imagine-o em vermelho. Até porque, imaginar é vermelho. E se a vida é feita de significações e simbologias, para que omiti-las? A fraternidade é vermelha, a paixão (inclusive quando não correspondida) é vermelha. A boca, a língua depois de comer cerejas. O vermelho também fica nas mãos. A carne quando sangra é vermelha – Campari quando cai na roupa, ela fica vermelha. As gotas que escorrem num pacto de sangue são vermelhas. A árvore quando você corta seu tronco também. Escorre um líquido que é vermelho. Outdoor, placas, anúncios... Tudo para chamar a atenção é vermelho. O sinal que te diz para parar. Vermelho. A flor detrás da orelha da espanhola que dança. O sorriso dela é vermelho. O tango também é. Eu e ele – puro vermelho, puro sangue. Luiz Melodia canta vermelho. O corte que fiz. O que você fez. O calor das mãos quando se tocam é vermelho. As flores daquela camisa. O “não” que se interpõe feito bala. É tudo vermelho. Todas as músicas que falam de amor. Alguém dizer um poema pra você. A tinta com que se escreve poesia. Tinta de vida e morte. Vida e morte são vermelhas. O “panô” pendurado em minha sala. O almofadão que uma de minhas personagens comprou em Garopaba e colocou sobre a cama para esperar o seu amor – assim que ele vier – é vermelho. A cor que eu não disse quando perguntaram qual era minha cor predileta. O marcador daquele livro que a gente adora, “o som da sua voz” – tudo isso é vermelho. O miolo do abacate lá dentro. Morango. Os glóbulos vermelhos, a primeira cor do arco íris, a roupa do papai Noel. Tudo vermelho. A frase que eu não disse. A que ele pensou e também não disse. O que se disse. O pen drive que meu pai me deu. Visita sem avisar. Susto. Tapa na cara. Boca depois do beijo. Olho depois do beijo. Vermelho. O texto que estava pronto e eu deletei sem querer e de modo definitivo – simplesmente o perdi - é vermelho; e todas as lágrimas que derramei depois – tudo vermelho. Seu primeiro gesto de ousadia, as pimentas dentro do vidro, a angústia e a vontade. Driblar a vontade também é vermelho. A nota “dez” que você estudou para tirar. O fogo dentro dos olhos. O vermelho que fica nos olhos quando a gente tem sono. A noite inteira em claro é vermelha. Acordar no meio dela também. Bater nua, na porta de alguém, às 3 da manhã. Absolutamente vermelho. Peixe na brasa numa praia deserta, alecrim por cima. O peixe é o Vermelho. O peixe Vermelho é vermelho. Comer peixe numa praia deserta também. A cor que não coloquei na tatuagem e o que escorreu dela enquanto era feita. Vermelho. Coisas que nunca poderemos viver são vermelhas. O coração pulsando na mão do cirurgião é vermelho. O tapete que estendemos quando nos apaixonamos. O motim que pode haver numa troca de olhar. A marca de uma mordida. Deliciosamente vermelha. Dolorosamente vermelha também pode ser. Segundo a teoria dos tipos, o conjunto das coisas vermelhas é uma coisa vermelha. As coisas enquanto queimam na fogueira são vermelhas. O desejo, e o molho de macarrão que comemos. O ódio de algumas pessoas, a pele quando toma sol forte, um telefonema no meio da madrugada. Adelaide, Gisele, Janaína e você também. Pedro, Rafael e você também. Aquele elogio que te desarma de tão lindo. Vermelho. Aquilo que alguém faz pensando em outro alguém, e que transparece, mostra as vértebras, com ou sem medo. É tudo vermelho. O medo é vermelho. E o medo do medo também. (O sorriso amarelo não pertence a essa crônica).

quinta-feira, 7 de maio de 2009

SOBRE GATOS, RATOS E SONHOS - Crônica publicada no Jornal A Notícia em 07 de maio de 2009.

SOBRE GATOS, RATOS E SONHOS




Eu sonho. Você sonha. Nós sonhamos. Eles sonham. Esse que conto agora foi ele quem sonhou. Sonhou e depois me contou. Vou contar: assim aconteceu. A gente estava tomando um café, vendo algumas coisas no computador e de repente ele disse:

- Sonhei uma coisa horrível!
- Credo! Conta.
- Eu estava comendo um rato. Eu e minha mulher estávamos jantando, e meu prato era um rato grande, a carne avermelhada, meio morto, meio vivo.
- Que nojo!
- Nem me fale.
- E ela? Comia o rato também?
- Não! Isso é que é incrível. Ela disse: “Eu não quero comer isso não!” e eu disse pra ela (com toda naturalidade do mundo): “Se você não quer o rato, pega esse pedaço de filet mignon que também deve estar muito bom”.
- Só você pra sonhar uma coisa dessas... Já viu na internet o que pode significar sonhar com ratos?
- Não. Vê aí.

Lap top na mão, cliquei: sonhar com ratos. deus Google mandou uma lista de alternativas, mas no geral, referiam-se a perdas financeiras e traições dos amigos. Li e ele disse:

- Quer dizer que não basta ter um sonho horrível e ainda de quebro ainda levo “perdas financeiras ou traições de amigos”? Aí é de mais.
- Mas olha só; pode significar outras coisas também...
- Que mais tem aí?
- Não, aqui não tem mais nada. Mas pense: Na escala biológica, “bicho grande come bicho pequeno”!
- kkkkkkkkkkkkkkkkk
- Não é? É sim, muito natural. Você, bicho grande, come o rato, bicho pequeno! Um amigo meu fala isso. E olha que ele fala com uma propriedade!
- Tá, vai lá psicanalista!
- Mas é! Como psicanalista eu não sei, mas algo me diz que o que vale é o que a gente interpreta das coisas. As coisas são o que são, mas a gente pode ver diferente... Não pode?
- Eu, bicho grande?
- Sim. (Riu-se). E veja só. Você é um sujeito bacana.
- Sou?
- Sim. Bonito, charmoso.
- Você acha?
- Claro! Você é um gato.

E cabalisticamente, fechou seu raciocínio:

- Gato come rato!
- Uau! Você é doidinha, né?
- Nada, é só fazer as conexões certas. Eu li “Pollyanna” quando era menina... acho que foi isso. Kkkkkkkkkk. Porque não ver o lado bom?
- Você acha mesmo? Ainda estou inconformado com esse sonho....
- Nada.
- E não te falei o pior: “Eu via o rato naquele estado semi-vivo, a carne bem avermelhada, e estava para colocar na boca logo a cabeça.
- Putz!p
- Que foi?
- Ah! Fechou! Além de você estar vibrando positivamente seu lado gato, já que estava prestes a abocanhar um rato, estava logo comendo a cabeça!
- Que tem isso?
- Ora, você tá com tudo e não tá prosa. Se isso da internet é real, você está, no bom sentido, “comendo” problemas financeiros e traições dos amigos”!
- Mas isso é péssimo. Significa que estou engolindo coisas ruins, que podem me fazer mal.
- Nada. Você tá é “tirando de letra”.
- Legal. Eu sou um gato (bicho grande e bonitão), e como todo gato, naturalmente como ratos. Se há uma associação com perdas financeiras e traições (Tô nem aí. Tô comendo meus rivais). Legal.
- Não é? E sabe de uma coisa? Vamos lá jogar no bicho. Vamos jogar no gato e no rato, que afinal ele comeu. E vamos jogar na cabeça!
- Tá aí.
- Quero 80% do prêmio.
- Ei! O sonho é meu!
- Mas a interpretação fui em quem fiz.
- Tá certo. Sua traidora....
- Você não tinha nem que estranhar.... lembra o que significa? Traição de amigos e perdas financeiras. Então: na cabeça.
- Adoro você, sabia?
- Adoro você também. Vem, vamos.

domingo, 3 de maio de 2009

SOBRE OS SENTIDOS DO TOQUE
Crônica publicada no Jornal A Notícia em 30 de abril de 2009.




Uma leitora me pediu que escrevesse sobre o toque distraído. Contou que tem alguém, que não sabendo direito como se comunicar com ela, às vezes deixa distraído seu braço tocar no dela. Lendo Fernando Pessoa me deparei com o trecho de um poema que dizia assim:

“Foi um momento em que pousaste sobre o meu braço, num movimento mais de cansaço que pensamento, a tua mão, e a retiraste. Senti ou não? Não sei. Mas lembro e sinto ainda qualquer memória fixa e corpórea onde pousaste a mão que teve qualquer sentido incompreendido, mas tão de leve!... Como se tu, sem o querer, em mim tocasses para dizer qualquer mistério, súbito e etéreo, que nem soubesses que tinha ser.”
Pense só: ele escreve esse texto quem sabe com que bases? A partir de um toque, talvez? Um simples toque? Talvez um toque distraído de alguém, como coloca a leitora. E a partir do qual emerge um poema. Emerge o amor. A despeito de todos os nossos sentidos, estamos sempre em busca do toque, que é diferente do olhar que toca, do som da voz e da palavra dita que tocam. Sim. O toque traz em si algo diverso. Se olharmos do ponto de vista fisiológico, a pele é um recôndito de receptores para sensações, e de lá, os impulsos gerados pelo toque vão direto para o sistema límbico, onde moram as emoções. É muito bacana saber sobre o funcionamento de nosso organismo e em especial, sobre o funcionamento cerebral. Seus mecanismos. O sistema nervoso é muito especial. Integra sensações e idéias, opera sobre a consciência e interpreta os estímulos recebidos; seleciona e processa as informações através das sinapses. Essa conexão entre neurônios, que se dá com um neurônio estimulando o outro, é feita através dos neurotransmissores; e assim se propagam os impulsos nervosos e as informações são transmitidas. Dentro desse processo, entre outras coisas (tantas coisas), têm a memória, as emoções, os pensamentos.
Que delícias e perigos podem advir daí, não é? Para desmascarar o cotidiano e dar de cara com suas fronteiras, é preciso, como em alguns tipos de poesia, misturar deliberadamente as coisas. Subverter regras. Acho que talvez, isso possa parecer com a violação cometida do lápis contra o papel, (agora nesses tempos, escrevemos muitas vezes direto no computador mas é também uma bobagem ficar com reminiscências e nostalgias, certo?) e de todo modo, tudo permanece igual nessa questão da violação. Seja pena, toco de carvão, pedaço de tijolo, gravetos na areia, canivete em troncos de árvore, ou teclas no computador; o ato de “violar” o branco permanece intacto. O ato de criar algo e grafá-lo onde não tinha nada. Como tatuagem. Desenho que inaugura surpresas na superfície da pele. Inaugura erupções de outros “eus”. Como o toque e toda a fala que pode estar contida nele. A linguagem, esse “universo” em que somos banhados, é por onde apreendemos o mundo, nos relacionamos com ele, interpretamos, lutamos, aceitamos, amamos. Mas há um grande paradoxo aí, leitor. Se a linguagem é esse “corpo” de signos, ela é também, um limite – um limite para compreendermos a realidade, o cotidiano. Transcender talvez seja a palavra. Vencer as impossibilidades que se colocam com ações. Que nem aquele toque distraído. E todo o indizível que ele pode carregar. Parodiando Antonio Cícero, eu diria: um toque distraído é como guardar uma coisa, e como ele diz “guardar uma coisa não é escondê-la ou trancá-la...guardar uma coisa é olhá-la, fitá-la, mirá-la por admirá-la, isto é, iluminá-la ou ser por ela iluminado...”

Postagem em destaque

SOBRE QUESTÕES RESPIRATÓRIAS E AMORES INVENTADOS

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